Subsídios para uma boa arbitragem e para a lei do fora-de-jogo, ou dos erros do Sr. Neves o PSD/A não se livra…
a) Pensar que o regime político autonómico foi criado para ser um decalque do regime semi-presidencialista da República.
Como não é coisa que se trate a «talho de foice», a ver se me aguento nesta empreitada. Na sua crónica semanal, de 22 de Junho, no AO, Carlos Costa Neves advoga o seguinte:
“…em Portugal, há três espaços políticos: o todo nacional e as regiões autónomas dos Açores e da Madeira. O Presidente da República não acompanha, contudo, o dia a dia da vida política nos Açores e na Madeira, onde também votamos para a sua eleição. Pode dizer-se que não o faz directamente, mas através de um representante, o Representante da República, o que é parcialmente verdadeiro. O Representante da República, nos termos da Constituição, controla, apenas e só, a legalidade dos actos legislativos dos parlamentos regionais. Nenhum poder lhe está atribuído que legitime qualquer magistério de influência, qualquer função que faça dele factor de equilíbrio. Ou esse poder vem a ser atribuído por Lei ou permaneceremos neste equívoco que leva a um inadmissível vazio. O Presidente da República não estende a sua acção diária aos Açores e à Madeira, os seus representantes não têm estatuto para o representar. As arbitrariedades de quem, nos Açores, exerce o poder político, estão fora de controlo …”
Defende o líder da oposição, por escrito, aquilo que transmitiu via oral em Belém e na Madre de Deus. Ora, salvo melhor opinião, o Sr. Neves está a ser enganado ou está em fora-de-jogo, ou…
É tese pacífica de que a opção sobre o sistema de governo regional desde os primórdios da autonomia constitucional foi por um regime parlamentar típico (não há constitucionalista que o não tenha escrito). Mau grado a criação da figura constitucional do ministro da república, hoje representante da república, nenhum dos órgãos de governo próprio regional tinha perante aquele qualquer tipo de responsabilidade, o que não deixava de ser natural uma vez tratar-se de uma figura com legitimidade democrática indirecta. O Governo Regional dos Açores (GRA) foi pensado como sendo politicamente responsável perante a Assembleia Legislativa da Região (ALR). É o que estava e é o que está consagrado na Constituição. Esta separação político-institucional não só se manteve na revisão de 2004, como saiu reforçada quando se eliminou a possibilidade do Ministro da República assegurar o governo da Região no caso de dissolução dos órgãos regionais. Nisto até o sr. Neves acerta. «O Representante da República, nos termos da Constituição, controla, apenas e só, a legalidade dos actos legislativos dos parlamentos regionais. Nenhum poder lhe está atribuído que legitime qualquer magistério de influência, qualquer função que faça dele factor de equilíbrio». Vejamos a dúvida. A tese do Sr. Neves é que «ninguém controla quem na Região exerce o poder político». E parece que essa situação decorreria da última revisão por esta ter eliminado a possibilidade do Presidente da República (PR) dissolver os órgãos de governo próprio das regiões autónomas por prática de actos graves à Constituição (anterior 234.º n.º 1). Agora o PR passa apenas a ter competência para dissolver a ALR nos mesmos termos processuais da dissolução da assembleia da república. Aqui segundo o Sr. Neves há uma lacuna na Constituição que deve ser densificada por lei. Ou seja, segundo ele os poderes externos de controlo dos órgãos de governo próprio se não estiverem na Constituição é bom que estejam em algum lado. Procuremos o erro (ou o esquecimento).
Voltando ao início. Se o regime político regional é parlamentar típico. Se o GRA é exclusivamente e cada vez mais responsável perante a ALR. Se tanto assim é que, desde a revisão de 2004, o PR deixou de poder dissolver os governos regionais por violação grave da Constituição. Se nunca os pôde dissolver nos termos em que o faz em relação aos governos da República. Querer entender que o PR pode ter alguma apreciação de mérito político sobre a acção do Governo Regional é ficar muito longe no entendimento do que é a actual autonomia constitucional. Mas, se o PR, agora, «apenas» pode dissolver a ALR, todas as atenções se voltam para esta e para esse poder de dissolução como a chave do nosso sistema de governo. É este poder de dissolução juridicamente livre e estamos perante uma semi-presidencialização do sistema de governo regional? Parece ser essa a vontade do Sr. Neves. Mas entender isso é não só limitar seriamente a autonomia regional, como é fazê-la depender do arbítrio político de um órgão de soberania (ler no mesmo sentido o Estatuto Anotado por Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva). Aliás também é por isso que o Professor Jorge Miranda, no seu Manual, defende que «o sistema de governo regional só pode ser um puro sistema parlamentar».
Ora, tal como o GRA não é politicamente responsável perante o PR a ALR apenas pode ser responsabilizada perante o PR nas situações em que seja afectada a unidade do Estado ou não exerça os seus poderes no quadro da Constituição. Porque são esses os limites da autonomia político-administrativa constitucionalmente consagrada (artigo 225.º n.º3), e apenas esses, que o PR é obrigado a fiscalizar . A este poder de dissolução defendo que se junte, em sede de Estatuto, a dissolução por insucesso reiterado (duas ou mais vezes) de formação de governo. Mas isso sou eu, este humilde Vosso criado. O Sr. Neves não. O Sr. Neves quer um árbitro, mas ou esquece que esse árbitro já existe, e foi pensado como tal (ALR) ou não está contente com o actual sistema político regional e quer mudá-lo. Defende um envolvimento político dos órgãos de soberania, in limine, do Presidente da República, esquecendo que o seu partido esteve 30 anos a pedir exactamente o contrário. Defende um reforço do papel fiscalizador do parlamento regional mas ao mesmo tempo o seu contrário. Mais 30 anos de história pelo cano. Outra vez 30 anos de história pelo cano. Já só falta ouvir o PSD/A dizer que sempre defendeu a tese do semi-presidencialismo. Afinal o Sr. Neves não só está, continuamente, a ser apanhado em fora-de-jogo, como está, de novo (ver 1998), a tentar mudar as regras do jogo…ou sou só eu que ando a ver coisas?
“…em Portugal, há três espaços políticos: o todo nacional e as regiões autónomas dos Açores e da Madeira. O Presidente da República não acompanha, contudo, o dia a dia da vida política nos Açores e na Madeira, onde também votamos para a sua eleição. Pode dizer-se que não o faz directamente, mas através de um representante, o Representante da República, o que é parcialmente verdadeiro. O Representante da República, nos termos da Constituição, controla, apenas e só, a legalidade dos actos legislativos dos parlamentos regionais. Nenhum poder lhe está atribuído que legitime qualquer magistério de influência, qualquer função que faça dele factor de equilíbrio. Ou esse poder vem a ser atribuído por Lei ou permaneceremos neste equívoco que leva a um inadmissível vazio. O Presidente da República não estende a sua acção diária aos Açores e à Madeira, os seus representantes não têm estatuto para o representar. As arbitrariedades de quem, nos Açores, exerce o poder político, estão fora de controlo …”
Defende o líder da oposição, por escrito, aquilo que transmitiu via oral em Belém e na Madre de Deus. Ora, salvo melhor opinião, o Sr. Neves está a ser enganado ou está em fora-de-jogo, ou…
É tese pacífica de que a opção sobre o sistema de governo regional desde os primórdios da autonomia constitucional foi por um regime parlamentar típico (não há constitucionalista que o não tenha escrito). Mau grado a criação da figura constitucional do ministro da república, hoje representante da república, nenhum dos órgãos de governo próprio regional tinha perante aquele qualquer tipo de responsabilidade, o que não deixava de ser natural uma vez tratar-se de uma figura com legitimidade democrática indirecta. O Governo Regional dos Açores (GRA) foi pensado como sendo politicamente responsável perante a Assembleia Legislativa da Região (ALR). É o que estava e é o que está consagrado na Constituição. Esta separação político-institucional não só se manteve na revisão de 2004, como saiu reforçada quando se eliminou a possibilidade do Ministro da República assegurar o governo da Região no caso de dissolução dos órgãos regionais. Nisto até o sr. Neves acerta. «O Representante da República, nos termos da Constituição, controla, apenas e só, a legalidade dos actos legislativos dos parlamentos regionais. Nenhum poder lhe está atribuído que legitime qualquer magistério de influência, qualquer função que faça dele factor de equilíbrio». Vejamos a dúvida. A tese do Sr. Neves é que «ninguém controla quem na Região exerce o poder político». E parece que essa situação decorreria da última revisão por esta ter eliminado a possibilidade do Presidente da República (PR) dissolver os órgãos de governo próprio das regiões autónomas por prática de actos graves à Constituição (anterior 234.º n.º 1). Agora o PR passa apenas a ter competência para dissolver a ALR nos mesmos termos processuais da dissolução da assembleia da república. Aqui segundo o Sr. Neves há uma lacuna na Constituição que deve ser densificada por lei. Ou seja, segundo ele os poderes externos de controlo dos órgãos de governo próprio se não estiverem na Constituição é bom que estejam em algum lado. Procuremos o erro (ou o esquecimento).
Voltando ao início. Se o regime político regional é parlamentar típico. Se o GRA é exclusivamente e cada vez mais responsável perante a ALR. Se tanto assim é que, desde a revisão de 2004, o PR deixou de poder dissolver os governos regionais por violação grave da Constituição. Se nunca os pôde dissolver nos termos em que o faz em relação aos governos da República. Querer entender que o PR pode ter alguma apreciação de mérito político sobre a acção do Governo Regional é ficar muito longe no entendimento do que é a actual autonomia constitucional. Mas, se o PR, agora, «apenas» pode dissolver a ALR, todas as atenções se voltam para esta e para esse poder de dissolução como a chave do nosso sistema de governo. É este poder de dissolução juridicamente livre e estamos perante uma semi-presidencialização do sistema de governo regional? Parece ser essa a vontade do Sr. Neves. Mas entender isso é não só limitar seriamente a autonomia regional, como é fazê-la depender do arbítrio político de um órgão de soberania (ler no mesmo sentido o Estatuto Anotado por Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva). Aliás também é por isso que o Professor Jorge Miranda, no seu Manual, defende que «o sistema de governo regional só pode ser um puro sistema parlamentar».
Ora, tal como o GRA não é politicamente responsável perante o PR a ALR apenas pode ser responsabilizada perante o PR nas situações em que seja afectada a unidade do Estado ou não exerça os seus poderes no quadro da Constituição. Porque são esses os limites da autonomia político-administrativa constitucionalmente consagrada (artigo 225.º n.º3), e apenas esses, que o PR é obrigado a fiscalizar . A este poder de dissolução defendo que se junte, em sede de Estatuto, a dissolução por insucesso reiterado (duas ou mais vezes) de formação de governo. Mas isso sou eu, este humilde Vosso criado. O Sr. Neves não. O Sr. Neves quer um árbitro, mas ou esquece que esse árbitro já existe, e foi pensado como tal (ALR) ou não está contente com o actual sistema político regional e quer mudá-lo. Defende um envolvimento político dos órgãos de soberania, in limine, do Presidente da República, esquecendo que o seu partido esteve 30 anos a pedir exactamente o contrário. Defende um reforço do papel fiscalizador do parlamento regional mas ao mesmo tempo o seu contrário. Mais 30 anos de história pelo cano. Outra vez 30 anos de história pelo cano. Já só falta ouvir o PSD/A dizer que sempre defendeu a tese do semi-presidencialismo. Afinal o Sr. Neves não só está, continuamente, a ser apanhado em fora-de-jogo, como está, de novo (ver 1998), a tentar mudar as regras do jogo…ou sou só eu que ando a ver coisas?