Dos dois concelhos felizes... O fim-de-semana que passou pode assinalar-se como referência exemplar da realidade sociológica de Ponta Delgada. O Concelho dividido. O Concelho da malha urbana (o POVO da cidade) e o das freguesias (o POVO das freguesias). Se tradicionalmente constituíam as festas do Senhor Santo Cristo o momento para a «descida» do POVO das freguesias à Cidade, em que a cidade ficava por sua conta, os últimos anos, em especial por impulso da câmara municipal, algo mudou. Passaram-se a realizar um conjunto de eventos ditos populares no sentido de «devolver a cidade ao seu POVO». Nada contra esta partilha do espaço público, é saudável e desejável que a «descida à cidade» seja uma normalidade fora dos problemas de saúde ou da ida aos «serviços». A cidade é de todos e tudo o que esta oferece deve ser para todos. Ora o problema está aqui onde há um fosso que se vai agravando. O POVO das freguesias que desce à cidade não se mistura com o POVO da cidade nem acede aos espaços e eventos realizados para o POVO da cidade. E o POVO da cidade sai da cidade para não se misturar com o POVO das freguesias nem quer participar na festas preparadas pela cidade para o POVO das freguesias. Este fim-de-semana foi para os mais distraídos um fim-de-semana cheio. A dinâmica cultural da cidade de Ponta Delgada estabeleceu-se para ficar (graças a quem isso já são outros «quinhentos»…), entre públicos e privados podíamos escolher: exposições de pintura (Tomaz Borba Vieira, na Fonseca e Macedo, Mare Magnum, no Museu, e no Centro Municipal da Cultura) exposições de fotografia no Teatro Micaelense e na Casa das Artes, concertos Jorge Moyano no TM, o legado Sefardita no Museu, o concerto de apoio à AMI no Coliseu. Mas quem aí foi percebeu que o POVO, o «outro» POVO, estava orientado para a marginal e para a praça Gonçalo Velho. Que de novo se dividiu o que já estava dividido.
Em que medida se podia chamar este POVO para antes da coroação ver uma exposição que até era de acesso livre? Ou ouvir um concerto do Moyano, promovendo os espectáculos em espaços de acesso livre, em vez deste ir ver pela «enésima» vez a sua filarmónica? É que, como continuam a não convidar expressamente esse POVO, ou a facilitar-lhe o acesso, o POVO das freguesias não conhece nem esses palcos e espaços, nem o que lá há para oferecer. Nem os mais velhos nem, mais preocupantemente, os mais novos. Será que a solução é levar essa actividade cultural às freguesias? Mais facilmente iria o POVO da cidade às sopas e à massa sovada, sempre é comida e de graça. Há respostas que continuam por dar na sociedade micaelense. Talvez, até, seja cedo para responder pois só agora se pode dizer que há um roteiro cultural em Ponta Delgada. Mas olhando para outros que já por aí passaram e também não conseguiram encontrar respostas (ver Angra), se calhar é porque não as há e tudo isto é da natureza das coisas. Contudo, continua a parecer-me que, pelo menos, há um erro de concepção que persiste: o de se trabalhar para dois públicos alvo dando-lhes aquilo que eles pretensamente querem ver em vez de os procurar absorver naquilo que é possível oferecer…