“…O Leproso voltou a cabeça.
- Despe-te, para eu poder sentir o calor do teu corpo!
Julião despiu-se; depois, nu como no dia em que nascera, voltou a meter-se na cama; e sentia na coxa a pele do Leproso, mais fria do que uma serpente e tão áspera como uma lima.
Tentou animá-lo; e o outro respondia, arquejando:
- Ah! vou morrer!....Chega-te mais, aquece-me! Não, com as mãos, não, com o teu corpo!
Julião estendeu-se por cima dele, boca com boca, peito com peito.
E o Leproso abraçou-o, e os seus olhos ficaram de repente tão brilhantes como estrelas; os cabelos alongaram-se-lhe como os raios do Sol; o hálito das narinas tinha a suavidade das rosas; uma nuvem de incenso ergueu-se da fogueira, as águas cantavam. Entretanto, uma profusão de delícias, uma alegria sobre-humana iam inundando a alma do atarantado Julião; e aquele que continuava a apertá-lo nos braços ia crescendo, crescendo, até tocar com a cabeça e os pés nas duas paredes da cabana. O telhado voou, o firmamento abriu-se de par em par: e Julião subiu aos espaços azuis, frente a frente com Nosso Senhor Jesus Cristo, que o levava para o céu…”
A lenda de São Julião Hospilareiro de Flaubert, ilustrada por Amadeo de Souza-Cardoso. Edição fac-similada – Fundação Calouste Gulbenkian, Assírio & Alvim, 2006
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