"...Porque razão a imagem monstruosa nos comunica um excesso de ser? Porque manifesta maior realidade do objecto, mais propriedades, mais conteúdo que uma imagem vulgar. Mas tal não basta para produzir mais ser, pois o que o monstro dá a ver, para lá da materialidade das coisas vistas, é o que subentende delas. O transbordamento que o monstro veicula ultrapassa o conteúdo representado, está para lá da sua origem e da sua causa. O que existe de irrecusável no monstro é esse excedente absoluto de substância, para além dos modos: há uma prova ontológica da existência do monstro que, do excesso de realidade dado na sua representação conclui a certeza da sua existência. E isto tem certamente algo a ver com o estado quase real (e quase simbólico) dos monstros biológicos.
Apesar da sua etimologia, o monstro mostra. Mostra mais que tudo o que é visto, pois mostra o irreal verdadeiro.
O monstro é, ao mesmo tempo, absolutamente transparente e totalmente opaco. Ao encará-lo, o olhar fica paralisado, absorto num fascínio sem fim, inapto ao conhecimento, pois este nada revela, nenhuma informação codificável, nenhum alfabeto conhecido. E, no entanto, ao exibir a sua deformidade, a sua anormalidade, - que normalmente esconde – o monstro oferece ao olhar mais do que qualquer coisa jamais vista. O monstro chega mesmo a viver dessa aberração que exibe por todo o lado a fim de que a vejam. O seu corpo difere do corpo normal na medida em que ele revela o oculto, algo disforme, de visceral, de «interior», uma espécie de obscenidade orgânica. O monstro exibe-a, desdobra-a, virando a pele do avesso, e desfralda-a sem se preocupar com o olhar do outro; ou para o fascinar, o que significa a mesma coisa.
…
Ao revelar o que deve permanecer oculto, o corpo monstruoso subverte a ordem mais sagrada das relações entre a alma e o corpo: a alma revelada deixa de ser uma alma, torna-se, no sentido próprio, o reverso do corpo, um outro corpo, mas amorfo e horrível, um não-corpo. Que monstruosidade carrega o monstro teratológico com ele? A de uma alma feita carne, vísceras e órgãos..."
Monstros, José Gil. Ed. Relógio d’Água, 2006
Apesar da sua etimologia, o monstro mostra. Mostra mais que tudo o que é visto, pois mostra o irreal verdadeiro.
O monstro é, ao mesmo tempo, absolutamente transparente e totalmente opaco. Ao encará-lo, o olhar fica paralisado, absorto num fascínio sem fim, inapto ao conhecimento, pois este nada revela, nenhuma informação codificável, nenhum alfabeto conhecido. E, no entanto, ao exibir a sua deformidade, a sua anormalidade, - que normalmente esconde – o monstro oferece ao olhar mais do que qualquer coisa jamais vista. O monstro chega mesmo a viver dessa aberração que exibe por todo o lado a fim de que a vejam. O seu corpo difere do corpo normal na medida em que ele revela o oculto, algo disforme, de visceral, de «interior», uma espécie de obscenidade orgânica. O monstro exibe-a, desdobra-a, virando a pele do avesso, e desfralda-a sem se preocupar com o olhar do outro; ou para o fascinar, o que significa a mesma coisa.
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Ao revelar o que deve permanecer oculto, o corpo monstruoso subverte a ordem mais sagrada das relações entre a alma e o corpo: a alma revelada deixa de ser uma alma, torna-se, no sentido próprio, o reverso do corpo, um outro corpo, mas amorfo e horrível, um não-corpo. Que monstruosidade carrega o monstro teratológico com ele? A de uma alma feita carne, vísceras e órgãos..."
Monstros, José Gil. Ed. Relógio d’Água, 2006
4 comentários:
José Gil, brilhante!
Gulherme, não gostei que tivesses usado a fotografia da minha namorada! Sinceramente!
As histórias de criança ensinam-nos muito, até um monstro pode ser belo...e a beleza pode ser monstruosa...
Cara Magui,
Sem duvida! Estava na brincadeira, nada mais. "Beauty is in the eye of the beholder."
beijins,
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