«…Tendes talvez o diabo no corpo, disse Cândido. – É verdade que ele se intromete muito nos negócios deste Mundo, e que tão facilmente pode estar no meu corpo como noutro lado qualquer; mas confesso-vos que ao olhar para este globo, ou melhor para este glóbulo, penso que Deus o abandonou a um qualquer ser malfazejo; à excepção sempre do Eldorado. Nunca vi cidade que não desejasse a ruína da cidade vizinha, nem família que não quisesse exterminar outra família. Por toda a parte os fracos dedicam execração aos poderosos perante os quais rastejam, e os poderosos tratam-nos como rebanhos de quem se vende a lã e a carne. Um milhão de assassinos arregimentados, correndo de uma ponta à outra da Europa, dedica-se á morte e ao banditismo com disciplina para ganhar o pão, porque não há ofício mais honesto; e nas cidades que parecem gozar a paz, e onde florescem as artes, os homens são devorados por mais invejas, anseios e inquietações do que flagelos assolam uma cidade em estado de sítio. Os desgostos secretos são ainda mais cruéis do que as misérias públicas. Numa palavra, tanta coisa vi e portanto passei que me tornei Maniqueu.
- Mas há coisas boas, replicava Cândido. – Pode ser que sim, dizia Martinho; mas não as conheço…»
Cândido ou O Optimismo, Voltaire. Ed. Tinta da China, 2006.
NOTA DE RODAPÉ: Senhoras e Senhores, o Prazer dos Prazeres: o meu Livro do Ano!!!
Sem comentários:
Enviar um comentário