(Passages em Paris)
Tudo numa redoma
Tudo numa redoma
…haveria de dobrar o século XX para o Portugal de clima ameno e moderado começar a sonhar, ardentemente, em tapar-se, fechar-se, meter tudo em enormes interiores. A febre dos supermercados e dos «shoppings» já posicionara o desejo; as grandes unidades climatizam-se, cada vez maiores, cada vez mais afastadas das cidades. E nas cidades, as antigas zonas comerciais definham, morrem, chamam-se a si próprias «comércio tradicional» e não sabem o que fazer da tradição.
É então que surgem velhas ideias «novas», como o fechar de ruas inteiras para atrair de novo compradores, público, cidadãos…No país do medo à chuva tudo se tapa, fecha e impermeabiliza: as varandas marquizam-se; as passagens sob os blocos modernos, para podermos cruzar por dentro os quarteirões, passam a estacionamento privado; as esplanadas exigem-se cobertas…é a vida (de tal modo) «protegida» que pouco espaço, depois, de vida sobra…Lá em cima nos «shoppings», a estratégia é imitar uma cidade; na cidade pensam-se truques para imitar os centros comerciais…Não se perceberá que o único modo de competir com as estruturas artificiais, climatizadas, abafadas, será precisamente manter da rua o que a rua tem de melhor? O ar, o som, as árvores, os pregões, os músicos de rua, os vendedores ambulantes, os carrinhos de gelados, amendoins, algodão doce, o espectáculo das vitrinas, a brisa, os toldos, os anúncios variados dos variados comércios?
As ruas que se pretendem «shoppings» secos são o estertor último de um século XX que chega tarde, monofuncionalizando a vida. E o que foram experiências pontuais, interessantes, novas, avançando com a noção de escala, soluções alternativas que acrescentavam, que se sobrepunham, que não excluíam o que já existisse, mas que o melhoravam, surgem-nos hoje como respostas despropositadas, novas-ricas, envolvendo estratégias de negócio exasperadas, pouco criativas e só já aparentemente progressistas…
Manuel Graça Dias (Arquitecto), in Actual (Expresso, 27 de Maio)
NOTA: O texto do Arquitecto Graça Dias é motivado pela cobertura da Rua Ferreira Borges, na cidade de Coimbra, a razão deste post é um alerta para alguns autarcas desta Região que pretendem embarcar em mais esta estratégia estapafúrdia…
É então que surgem velhas ideias «novas», como o fechar de ruas inteiras para atrair de novo compradores, público, cidadãos…No país do medo à chuva tudo se tapa, fecha e impermeabiliza: as varandas marquizam-se; as passagens sob os blocos modernos, para podermos cruzar por dentro os quarteirões, passam a estacionamento privado; as esplanadas exigem-se cobertas…é a vida (de tal modo) «protegida» que pouco espaço, depois, de vida sobra…Lá em cima nos «shoppings», a estratégia é imitar uma cidade; na cidade pensam-se truques para imitar os centros comerciais…Não se perceberá que o único modo de competir com as estruturas artificiais, climatizadas, abafadas, será precisamente manter da rua o que a rua tem de melhor? O ar, o som, as árvores, os pregões, os músicos de rua, os vendedores ambulantes, os carrinhos de gelados, amendoins, algodão doce, o espectáculo das vitrinas, a brisa, os toldos, os anúncios variados dos variados comércios?
As ruas que se pretendem «shoppings» secos são o estertor último de um século XX que chega tarde, monofuncionalizando a vida. E o que foram experiências pontuais, interessantes, novas, avançando com a noção de escala, soluções alternativas que acrescentavam, que se sobrepunham, que não excluíam o que já existisse, mas que o melhoravam, surgem-nos hoje como respostas despropositadas, novas-ricas, envolvendo estratégias de negócio exasperadas, pouco criativas e só já aparentemente progressistas…
Manuel Graça Dias (Arquitecto), in Actual (Expresso, 27 de Maio)
NOTA: O texto do Arquitecto Graça Dias é motivado pela cobertura da Rua Ferreira Borges, na cidade de Coimbra, a razão deste post é um alerta para alguns autarcas desta Região que pretendem embarcar em mais esta estratégia estapafúrdia…
2 comentários:
A ideia não é de todo desagradável, tendo em conta, por exemplo, que em S. Miguel chove "de caneco". Mas não vejo grande mais valia. O que nós queríamos mesmo era parar o carro à porta das lojas da Baixa. eheheh.
Telhados de vidro e tal.... não me parece grande coisa.
Very nice site!
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