sábado, novembro 19

PURO PRAZER #180


Vanité, ou allégorie de la vie humanine, Philippe de Champaigne

Eu poderia classificar de contraditórias as minhas relações com o mundo ou a sociedade. Apesar de todo o meu desejo de relações afectuosas com eles, não raro que nessas relações entrasse um frieza reflectida, uma tendência para a crítica, que me espantava. A título de exemplo citarei o pensamento que às vezes me ocupava quando na sala de jantar ou no vestíbulo, com a mão que segurava o guardanapo nas costas, ficava ocioso alguns instantes e observava a clientela do hotel tratada com delicadeza e mesmo adulada pelos fraques azuis. Era o pensamento da reversibilidade na troca. Trocando os fatos e os librés, a maior parte dos servidores podiam figurar de senhores; e alguns daqueles que com o cigarro nos lábios se estiraçavam nos cadeirões de vime podiam muito bem ser criados. Se a situação não estava invertida era por puro acaso – o acaso da fortuna. E isto porque a aristocracia do dinheiro é uma aristocracia de acaso, permutável.”

As Confissões de Félix Krull – Cavaleiro de Indústria, Thomas Mann. Ed. Relógio D’Água, 2003