segunda-feira, março 7

PURO PRAZER #71


"Rabosódia"

"(...)
Maria João Seixas - Nesta sala, se eu olhar em volta e me fixar naquele particular torso de mulher, pergunto: o modelo é real e foi ele quem te convocou a trabalhar esta forma na pedra? Ou quiseste registar, para além da forma específica do modelo, a essência de um corpo feminino?
João Cutileiro - Naquela peça, como em muitas outras, tentei registar a essência do corpo daquela mulher. Aquela mulher foi a pessoa que eu vi e cujo corpo me convidou a fazer o registo. Há outras peças que são muito mais um resultado acumulado de várias situações, memórias, coisas soltas, como as rabosódias de corpos.
MJS - Rabosódias? Estás a falar-me de uma fase em que esculpias, quase sem pausa, sucessivos rabos?
JC - Ah sim, não foi uma fase que lá vai, continuo a reconhecer no tema dos rabos um tema muito bem-vindo. Gostaria mesmo de ter uma grande "cuoteca". O volume do rabo tem uma carga, para mim, muito forte, o que é natural em escultura.
(...)
MJS - Mas na escultura, campo de batalha da tua principal gesta, a mulher, e a consagração do seu corpo, continua a ser o que mais te leva a querer "dar a ver"?
JC - Claro. Ainda faço guerreiros, ainda faço árvores e flores, mas a mulher tem vindo sempre ao de cima. Parece óbvio, não é? Gosto tanto de mulheres! Tenho pena de não saber fazer escultura sobre comida, ainda fiz peixes, mas registar um bom bife em mármore não consigo.
(...)"

In Pública, 6 de Março de 2005.