terça-feira, janeiro 17

CHÁ QUENTE #147

Podia ler-se no Público de ontem que os níveis de desigualdade em Portugal conheceram, na última década, uma evolução contraditória. Em 1995 (fim do consulado de Cavaco Silva), a relação de repartição de rendimentos entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres era de 7,4 vezes mais a favor daqueles e foi caindo até 2000 (com as políticas de António Guterres), situando-se nesse ano em 6,4 vezes mais. Entre 2001 e 2003 a desigualdade voltou a disparar, recolocando-se a fasquia no nível de 1995. Portugal é no índice de Gini (relativo à desigualdade na repartição da pobreza) o 59.º entre 124 países. Somos os mais desiguais da Europa, mas também os últimos em matéria de abandono escolar e no índice de pobreza persistente e os antepenúltimos no índice de crianças pobres. O número de portugueses a viver com menos de 350 euros por mês ronda os dois milhões. Num país assim as estratégias para o ataque à pobreza ainda dividem os «especialistas» que teimam em vender teses milagrosas. Há quem rejeite liminarmente a teoria segundo a qual não se pode atenuar a desigualdade sem primeiro conseguir o crescimento, defendendo que se a própria política económica não integrar já aspectos que reduzam a desigualdade, não é depois que esta será reduzida. A tese é que a verdadeira desigualdade tem origem antes da redistribuição, primeiro na repartição da riqueza e depois na repartição primária do rendimento que resulta da actividade económica. Esta é uma crítica ferrenha àqueles outros que colocam toda a ênfase nas políticas de redistribuição (através do fisco, de medidas de apoio social e da segurança social). Tudo isto parece muito apresentável mas depois, para aqueles que lêem ou conhecem mais um pouco do mundo, cedo se percebe que a solução passa por tudo menos por uma posição maniqueísta. Vejamos os exemplos nórdicos que conciliam alta competitividade económica com baixa desigualdade e altos níveis de protecção social. A grande diferença é que as culturas desses países, que se reflectem na sua economia, integram a solidariedade e a preocupação pela igualdade na raiz. Os governantes e os empresários integram essa cultura. Ora nós por cá continuamos a esquecer, ou a não perceber, que essa mais valia cultural já a temos, e que se chama Espírito Santo, cujas raízes remontam ao século XIV. Se calhar é isso que nos falta para um futuro melhor, olhar para trás, perceber os fundamentos dessa mensagem e explicá-la aos nosso filhos e netos para que esses, sim, possam viver o mundo novo. Para mim a solidariedade e a igualdade não são questões místicas mas de cultura. Da cultura do século XXI.

5 comentários:

Andre Bradford disse...

Julgo que na terceira linha deverá ser 1995.
Achei curioso que nós chamemos pés-rapados aos turistas suecos e vivamos num país com muito maior desigualdade social.

Francisco disse...

Somos mesmo um poço de contradições...

JNAS disse...

...quem me dera que os Açores fossem um exemplo nórdico ! Já imaginaram os nossos lavradores a locomoverem-se em luxuosos Saabs, a malta a beber Finland em vez de zurrapas cheias de metanol, fazendo comprinhas na IKEA em alternativa às miserentas chinesices da Galinha Gorda e afins, e partindo para férias em ferries decentes como os que existem nos fiordes que nunca veriam sequer a sombra de um decrépito «Golfinho Azul» !
...
Estimado Guilherme também li de fio a pavio esse caderno com base nos dados do Eurostat e fiquei ainda mais deprimido !

gm disse...

Caros amigos,
a verdade é que padecemos de um mal terrível que se chama inveja. Mas não precisamos ser iguais aos nórdicos, nem poderíamos ser. Este post serviu para tentar provar isso mesmo. Os valores da segurança social nórdica estão também na nossa génese nós é que andamos muito preocupados com nevoeiros e ruídos diários! E depois basta tentar aproveitar o que nós temos o que, ao contrário do que muitos dizem, não é nada pouco...

(obrigado André pela atenção)

Anónimo disse...

Eu não lhe chamaria inveja, penso que somos (ilhéus/portugueses)demasiado críticos em relação ao que é nacional, sentimento de inferioridade, talvez. O que/quem é bom só pode ser estrangeiro. Falta-nos orgulho colectivo e não podemos pôr a culpa só no sistema. Eu também acho que não é pouco o que temos, com excepção de civismo, em particular na ilha maior, por razões óbvias.